segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Por que ser feminista hoje?


Atualmente, muit@s acreditam não ser mais necessária a defesa do feminismo enquanto bandeira política, pois as mulheres já teriam conquistado a desejada igualdade em relação aos homens. Afinal, não temos agora uma mulher ocupando o cargo executivo mais alto da esfera política brasileira? Elas já não são maioria na universidade e trabalham fora de casa? O que mais falta?

Vivemos numa conjuntura onde sem dúvida diversas conquistas foram alcançadas, como o direito ao voto, o direito a estudar, a descriminalização do adultério, a Lei Maria da Penha. No entanto, o fato de que estas mudanças aconteceram não significa que outras não são igualmente necessárias de ocorrer. Ainda hoje, por exemplo, as mulheres recebem menos que os homens pelo mesmo trabalho executado. Isso, por acaso, é igualdade?

O feminismo nasce com a modernidade, sendo marco histórico a luta das sufragistas durante a Revolução Francesa. As sufragistas defendiam o voto universal e, no caso dos Estados Unidos, eram fortemente ligadas com os abolicionistas. Apontavam a contradição existente entre uma sociedade que reivindicava direitos políticos universais, enquanto excluía as mulheres de qualquer forma de participação política. A partir daí o feminismo, ou melhor, os feminismos se desenvolveram em diversas correntes: socialista, liberal, conservadora, negro, lésbico, incorporando a discussão da família, da sexualidade, da autonomia, do corpo, do trabalho.

É importante colocar que a materialização das conquistas alcançadas pela luta histórica d@s feministas em direitos reais depende de vários fatores. Mulheres negras da periferia e mulheres brancas de classe alta são retratos completamente distintos de um dado momento histórico. O “direito a ter direitos” possui, ainda e infelizmente, limitações. Como escreve Saffioti (2000):

“A sociedade não comporta uma única contradição. Há três fundamentais, que devem ser consideradas: a de gênero, a de raça/etnia e a de classe. Com efeito, ao longo da história do patriarcado, este foi-se fundindo com o racismo e, posteriormente, com o capitalismo, regime no qual desabrocharam, na sua plenitude, as classes sociais.”

Ou seja, as relações de gênero, raça/etnia, classe social e sexualidade perpassam a vida de cada ser humano e determinam suas condições objetivas e subjetivas de vida. No caso das mulheres, é necessário entender que a opressão de cada uma não está limitada ao papel de gênero e se desejamos de fato libertá-las é necessário levar em conta também esses outros papéis. E hoje o que os dados concretamente nos dizem sobre a condição de vida das mulheres?

Segundo o IPEA (2007), se por um lado as mulheres (brancas e negras) têm aumentado a sua participação no mercado de trabalho, elas seguem com maior representação no trabalho doméstico, na produção para consumo próprio e no trabalho não remunerado, mantendo a função de “cuidadoras” do lar e da prole em contraposição ao papel masculino de “provedores”.  Entre as mulheres negras, sobretudo, encontramos as maiores proporções no trabalho doméstico, 21,4% (contra 12,1% entre as mulheres brancas e 0,8% entre os homens), e na produção para subsistência e trabalho não remunerado, 15,4%. Fato igualmente abalador é que seguimos campeões na violência contra a mulher. Uma em cada cinco brasileiras declara espontaneamente já ter sofrido algum tipo de violência por parte de um homem e, a cada 15 segundos, uma mulher é espancada por um homem no Brasil, sendo a maior parte das agressões feitas pelos seus próprios companheiros no ambiente doméstico. As mulheres, além disso, ainda são uma minoria dos cargos diretivos e a maioria na composição da parcela de pobres a nível mundial (70%).

Um dos grandes paradigmas enfrentados foi e segue sendo o de que pautar as relações de gênero e o feminismo é um fator de divisão entre homens e mulheres. Na verdade, incorporar a pauta feminista na discussão de um projeto de sociedade (e mais especificamente de universidade) é fortalecer a união, o respeito, a liberdade e a igualdade. Nesse sentido, o feminismo não deve ser encarado como algo que diz respeito somente às mulheres; nem deve ficar restrita a sua discussão em espaços específicos sobre gênero (exemplo: grupos temáticos, formações, coletivos de mulheres). Ainda que tais momentos sejam necessários, não devem servir de desculpa para que este não apareça em discussões ditas “gerais” sobre política e sociedade. Feminismo é uma luta ampla de homens e mulheres pela emancipação do ser humano e, portanto, deve ser diariamente pautado enquanto elemento subversivo e transformador do status quo.


Referência: SAFIOTTI, Heleith I. B. Quem tem medo dos esquemas patriarcais de pensamento? In: Crítica Marxista, 2000, n.11, p. 71-75. Disponível em: http://www.unicamp.br/cemarx/criticamarxista/04helei.pdf

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